Judocas não "adoram" Jigoro Kano

Todo treino de judô deve começar e terminar com duas saudações. Saúda-se ao “Shomen”, à frente do dojô, que pode ser a figura do mestre Jigoro Kano ou as bandeiras, e saúda-se também os senseis que ministrarão a aula. Comumente no início também se pronuncia “Onegai Shimasu”,  no ato do cumprimento, que numa tradução aberta seria algo como “Permita-me aprender com você”.

Estas saudações são tradicionais nas artes marciais japonesas. Quando você vê um dojô cheio, com os senseis à frente e todos os alunos perfilados, curvando-se e saudando-se em uníssono, você sente que aquelas pessoas dão mesmo muito valor ao que estão fazendo. E, trata-se exatamente disso. Trata-se de que o dojô é um lugar de respeito e que cada treino é um evento único e merece de nós a reverência.

A diferença crucial está na forma como ocidentais e orientais fazem suas reverências. Para os japoneses não basta apertar a mão para um cumprimento. Para eles, é preciso curvar-se em uma vênia. Mesmo assim esta vênia não é feita de qualquer jeito. Existe uma inclinação adequada, por exemplo, ao cumprimentar pessoas mais velhas, desconhecidos, ou pessoas de uma posição superior, deve-se inclinar o corpo até 30 graus. Em situações informais, pode-se inclinar apenas 15 graus.

Eshaku, keirei e saikeirei.
Esta última mais usada para pedido de desculpas
 ou como sinal de respeito muito profundo.
Japoneses também costumam representar seu respeito não só as pessoas mas também as coisas. Sempre que se entra num dojô, uma vênia também é feita em respeito ao local de treinamento. Um outro exemplo, você por acaso já viu uma Cerimônia do Chá? Se sim, deve ter percebido os cuidados meticulosos com os objetos da preparação do chá.

Para os ocidentais, principalmente para nós brasileiros, que somos na maioria cristãos, curvar-se é devido somente a Deus ou a divindades. Mais ainda se tal reverência for feita de joelhos. E é aí onde ocorre o choque… quando algumas pessoas, não conhecedoras das diferenças culturais, leva o ato de saudação dos judocas, como algo religioso ou espiritual.

Não fico espantado de pessoas pensarem assim, mas já me deparei com alguns questionamentos e estou escrevendo este artigo justamente para ajudar a dar argumentos em favor de que não podemos mudar os costumes e tradições herdados, apenas por motivos religiosos.

A saudação a imagem de Jigoro Kano, é feita em memória e em agradecimento ao que ele deixou para nós. Não como se ele estivesse ali, vendo ou ouvindo, mas como uma pessoa merece ter sua honra lembrada pelos seus feitos. Para citar um paralelo, podemos ver que mesmo sendo um país com maioria cristã, nós brasileiros também mantemos costumes de visitar os túmulos de nossos familiares no dia de finados. Claramente não significa nenhuma tentativa de contato ou de idolatria aos mortos, mas sim de respeito e de lembrança. Sinceramente, eu não gostaria de saber que morri e ninguém guardou sequer uma foto minha  😛

Enfim, a cultura do respeito japonesa é algo que as vezes se choca mesmo com nossos costumes, mas não deveria ser tão difícil de entender. Já houve tempo no Brasil que regras de etiqueta e respeito eram rígidas e deveriam ser aprendidas desde cedo. Até me lembro de meus tempos de escola, quando tínhamos que fazer fila semanalmente e cantarmos o Hino Nacional, bem como também deveríamos ficar de pé quando o professor entrasse na sala. Me lembro que minha mãe sempre dizia que quando um adulto estivesse falando, a criança tinha que estar escutando e não falando junto…  etc.

Parece que não é a cultura do respeito dos japoneses que é exagerada, mas sim a cultura do respeito brasileira que parece estar se deteriorando.

Hoje, ensinando, vejo como o judô tem colaborado para trazer um pouco disso de volta, principalmente para crianças. Tenho fé que quanto mais dojôs forem abertos, mais conseguiremos passar nesses pequenos gestos, valores morais elevados, como pensava Kano.


FONTE: O JUDOCA

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